MAIOR RELATÓRIO DO CLIMA DA HISTÓRIA É O ALERTA FINAL À HUMANIDADE
MUNDO
Publicado em 10/08/2021

O mundo como conhecemos deixará de existir. O mais completo relatório de clima já produzido e divulgado hoje pelo IPCC prevê cenários sombrios para o futuro da humanidade. A má notícia é que o estrago está feito e as consequências serão sentidas por até milênios. A boa é que ainda há tempo de evitar o pior.

Um “código vermelho” para a humanidade. O mais completo, robusto e detalhado relatório científico já produzido pela ciência sobre o clima do planeta foi divulgado nesta segunda-feira pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e as conclusões e cenários são alarmantes. Se você não está preocupado sobre o clima, deveria começar a se preocupar. E, se já está preocupado, saiba que o futuro que se desenha sem uma reversão do curso atual será pior que o imaginado.

O planeta está aquecendo tão rapidamente que os cientistas agora dizem que cruzaremos um limiar crucial de aumento da temperatura planetária já em 2030, uma década mais cedo do que se pensava anteriormente. As concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera eram maiores em 2019 do que em qualquer momento em pelo menos dois milhões de anos, e os últimos 50 anos tiveram um aumento da temperatura na Terra sem precedentes em pelo menos dois mil anos.

Os eventos climáticos e meteorológicos estão se tornando mais comuns e severos, e o aumento do nível do mar já começa a inundar algumas áreas costeiras com regularidade. O tempo para cumprir as metas do Acordo Climático de Paris e evitar os piores cenários futuros está cada vez mais escasso.

Escrito por mais de 230 cientistas renomados de países ao redor do mundo, os alertas fazem parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC AR6), o primeiro deste tipo desde 2013. É o relatório climático mais significativo publicado em anos pela comunidade científica internacional. Trata-se da síntese de mais de 14.000 citações de pesquisas.

É uma verdadeira enciclopédia do clima, um documento com riqueza de detalhes e profundidade como jamais se viu na ciência meteorológica, um resumo do mais recente consenso científico sobre as mudanças climáticas e o que o futuro prenuncia, mediante modelos climáticos dos mais sofisticados e do conhecimento das condições passadas.

O período de 20 anos a partir de agora até 2040 será o primeiro a atingir ou superar a meta do acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC em relação ao período pré-industrial. Mesmo sob o cenário mais baixo de futuras emissões de gases de efeito estufa, o limite seria excedido por um breve período de tempo.

 

Apenas reduções rápidas, acentuadas e sustentadas das emissões de gases de efeito estufa, até valores líquidos zero e eventualmente líquidos negativos, poderiam evitar que as marcas de 1,5ºC ou 2°C de aquecimento fossem evitadas no longo prazo. O mundo já aqueceu 1,1°C em relação à média de 1850-1900.

O relatório também observa que muitos dos efeitos das mudanças climáticas até 2050 já são inevitáveis pelas emissões que já foram feitas e alcançaram a atmosfera, mas observa que ainda há tempo para reduzir significativamente os impactos climáticos no final deste século.

Em síntese, o estrago já foi feito, mas ainda é possível evitar o pior. A mudança de linguagem e perspectiva é clara. Em comparação com seu primeiro relatório, em 1990, a nova avaliação climática do IPCC reflete a transição do aquecimento global como um problema futuro distante para uma crise na atualidade.

Os cientistas sabem desde o século 19 que gases do efeito estufa como o dióxido de carbono aquecem o planeta ao reter o calor. Na década de 1960 já era claro para muitos cientistas, e até mesmo para grandes empresas de petróleo em seus documentos internos, que o aumento dos gases estufa atmosféricos por meio da queima de combustíveis fósseis traria conseqüências prejudiciais para o planeta.

À medida que os sinais das mudanças climáticas se tornaram mais evidentes, a comunidade internacional concordou em se unir para enfrentar a ameaça.

Em 1988, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) foi formado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas (ONU).

Como órgão intergovernamental, é formado por cientistas e representantes políticos que têm a missão de fornecer ao mundo ciência objetiva sobre as mudanças climáticas e delinear riscos, impactos e respostas.

O IPCC produziu relatórios de avaliação abrangentes com intervalos de anos, começando em 1990, entretanto com outros relatórios especiais intermediários.

Assim como na extensa avaliação (AR5) publicada no ano de 2013, o relatório de 2021 não deixa qualquer margem para céticos, afirmando que é “inequívoco” que as ações humanas aqueceram o planeta.

“Mudanças generalizadas e rápidas” já ocorreram e o impacto é cada vez mais sentido em todo o mundo. “Indicadores em grande escala de mudanças climáticas na atmosfera, oceano e criosfera [áreas congeladas] estão atingindo níveis e mudando em taxas nunca vistos em séculos a muitos milhares de anos”, dizem os autores do relatório.

NÍVEIS DE DIÓXIDO DE CARBONO

Os níveis de concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera são maiores hoje do que em qualquer época dos últimos dois milhões de anos. Para o metano, o nível atual é sem precedentes em ao menos 800 mil anos. E a taxa de aumento dos gases de efeito estufa excede todas as mudanças naturais durante o mesmo período.

 

AQUECIMENTO PLANETÁRIO

Como resultado, as temperaturas nos últimos 50 anos aumentaram a uma taxa mais rápida do que em qualquer momento nos últimos 2.000 anos. A temperatura média da superfície global foi 1,1°C mais alta em 2011-2020 do que no período de 1850-1900 (antes que a indústria humana começasse a aquecer o planeta), com aquecimento mais forte sobre áreas de terra (1,6°C) do que sobre o oceano (0,9°C). É muito provável que a década mais recente (2011-2020) seja tão quente quanto qualquer período desde o último interlúdio entre a Idade do Gelo e 125.000 anos atrás.

 

DEGELO

O aquecimento do planeta está derretendo o gelo a taxas sem precedentes nos tempos modernos. A cobertura de gelo do mar Ártico no final do verão é menor do que em qualquer época dos últimos mil anos. O recuo das geleiras não tem precedentes nos últimos dois mil anos com quase todas as geleiras do mundo recuando desde a década de 1950.

 

AUMENTO DO NÍVEL DO MAR

Os gases de efeito estufa, aquecimento do planeta e derretimento do gelo da Terra estão a provocar grandes mudanças nos oceanos. A taxa de aumento do nível do mar é hoje a mais alta em pelo menos três mil anos. O nível médio global do mar cresce cada vez mais e está acelerando. A taxa de aumento foi de 1,3 mm por ano entre 1901 e 1971, mas aumentou para 3,7 mm por ano entre 2006 e 2018. Cerca de 90% do excesso de calor aprisionado no sistema terrestre é armazenado nos oceanos. Como resultado, o oceano está ganhando calor mais rápido do que em qualquer momento desde o final da última Idade do Gelo.

 

ACIDIFICAÇÃO DOS OCEANOS

O dióxido de carbono se dissolve na água do mar e torna o oceano mais ácido, o que representa uma ameaça para os corais e outras formas de vida marinha. A acidificação dos oceanos está agora em níveis “incomuns nos últimos dois milhões de anos”, diz o relatório.

 

EVENTOS EXTREMOS

A discussão sobre condições meteorológicas extremas é uma grande parte do relatório deste ano e que é claro: “A mudança climática induzida pelo homem já está afetando muitos climas e extremos climáticos em todas as regiões do globo”.  O aquecimento traz mais ondas de calor, fortes precipitações, aumentos nos furacões mais intensos, secas e os chamados eventos compostos em que o impacto de vários desastres se acumula.

 

E o relatório avisa que o pior está por vir. Com 1,5ºC de aquecimento global – um nível que provavelmente será atingido em 2030 – o documento afirma que devemos esperar ver “eventos extremos sem precedentes no registro de observação”.

ONDAS DE CALOR

As ondas de calor têm a conexão mais óbvia com o aquecimento global. Eles se tornaram “mais frequentes e mais intensas na maioria das áreas do planeta desde 1950”, diz o relatório. Extremos recentes teriam sido “extremamente improváveis ​​de ocorrer sem a influência humana no sistema climático”.

 

O documento também observa que as ondas de calor marinhas – temperaturas excepcionalmente altas em águas oceânicas – quase dobraram desde a década de 1980, com impressões digitais humanas na maioria delas.

CHUVA

À medida que a temperatura do ar aumenta, a atmosfera pode reter mais umidade e, assim, produzir chuvas mais intensas. Como resultado, os eventos de precipitação muito intensa aumentaram em frequência e intensidade desde 1950.

 

Este é um risco muito alto para grandes cidades que sofrem com alagamentos ou inundações repentinas. A mudança climática também está contribuindo para as secas, muitas vezes por causa do aquecimento que leva ao aumento da evaporação dos solos e da vegetação.

CICLONES TROPICAIS

Com temperaturas mais altas do oceano e mais umidade atmosférica disponível, ciclones tropicais e furacões estão passando por mudanças. A proporção global de grandes tempestades (categorias 3 a 5) aumentou nas últimas quatro décadas e a mudança climática também aumenta a forte precipitação associada a elas.

 

OS IMPACTOS NO BRASIL

 

Os efeitos das mudanças climáticas devem se tornar ainda mais dramáticos no Brasil nas próximas décadas com condições extremas cada vez mais freqüentes na temperatura e no regime de chuva. Em qualquer dos cenários apresentados pelo IPCC, haverá impactos e negativos no país, mas sob o pior cenário de aquecimento de até 4ºC elas podem ser de enorme gravidade no território brasileiro.

Todas as regiões do Brasil devem experimentar um aumento da temperatura média nas próximas décadas sob qualquer dos cenários apresentados pelo relatório, do otimista ao pior. O aquecimento seria maior principalmente no Norte, no Centro-Oeste e no Nordeste do Brasil.

Estas mesmas regiões experimentariam também um significativo decréscimo da chuva, o que levaria a secas muito mais freqüentes, severas e duradouras e traria conseqüências em grande escala para a produção agrícola, especialmente considerando que estas regiões são as que mais apresentam crescimento de áreas de produção.

Ainda, a diminuição da chuva levaria a um maior processo de desertificação em diversas regiões, o que tem efeitos de maior escala no Nordeste. Na Amazônia, a maior presença de gases estufa na atmosfera poderia reduzir o crescimento da vegetação e ainda o clima quente e mais seco traria um grande impacto na floresta, dependente de chuva mais abundante.

No Sul do Brasil, ao contrário, além do clima mais quente, a tendência pelas projeções do IPCC para as próximas décadas é de um aumento da chuva. Isso pode levar a episódios de enchentes mais freqüentes e a maior presença de umidade na atmosfera com ar mais quente pode induzir uma maior ocorrência de episódios de tempestades severas.

CENÁRIOS CLIMÁTICOS FUTUROS: QUANTO MAIS QUENTE?

Para cada ciclo de avaliação do IPCC, um conjunto de modelos climáticos é executado para ajudar a projetar nosso clima em mudança no futuro. Com o passar dos anos, esses modelos se tornaram mais sofisticados e com resolução mais alta. O esforço é denominado Coupled Model Intercomparison Project (CMIP6), composto por cerca de 100 modelos climáticos de 50 diferentes grupos internacionais de modelagem.

Um grande avanço feito para o relatório deste ano é o estreitamento da faixa de aquecimento projetada a partir da duplicação das concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera – um conceito denominado Sensibilidade Climática de Equilíbrio (ECS). No relatório anterior, o ECS variou entre 1,5°C e 4,5°C, logo uma uma incerteza muito grande que geraria resultados climáticos completamente diferentes.

 

Agora, por meio da análise do resultado do modelo aprimorado, os cientistas foram capazes de reduzir a incerteza do ECS a uma melhor estimativa de 3° C de aquecimento com uma faixa provável de 2,5° C a 4°C.

Para este ciclo de relatório, os modeladores executaram um conjunto de cinco cenários de emissões para explorar como o clima provavelmente responderá a vários níveis de gases do efeito estufa, diferenças no uso da terra e poluição do ar. Os modelos também levam em consideração o impacto potencial da atividade solar e dos vulcões.

Embora o IPCC não pondere sobre a plausibilidade de nenhum cenário, é geralmente entendido que os cenários de emissões mais baixas e mais altas são improváveis ​​e atuam como um limite inferior e superior em possíveis futuros climáticos. Tudo depende do que a humanidade faz ou deixa de fazer para combater as mudanças climáticas.

Com base nesses modelos, o relatório conclui que a temperatura global da superfície continuará a aumentar até pelo menos meados deste século em todos os cenários de emissões. As metas de aquecimento global de não mais que 1,5°C ou 2°C acima da média pré-industrial – a meta do Acordo de Paris – serão excedidas durante este século, a menos que haja “reduções profundas de dióxido de carbono e outras emissões de gases de efeito estufa em nas próximas décadas”.

Existe uma ampla gama de aquecimento possível dependendo de qual cenário mais se aproxima da realidade. Em um cenário onde as emissões de CO2 são drasticamente e rapidamente reduzidas, o aquecimento pode ficar próximo da meta de 1,5°C, mas para um cenário de emissões muito altas, é possível um aquecimento tão alto quanto catastróficos 5,7°C, o que tornaria parte do planeta inabitável. Os especialistas concordam que ambos os cenários são muito improváveis. O resultado mais provável é um cenário intermediário de aquecimento próximo a 3°C.

O Ártico, que já está aquecendo a uma taxa três vezes maior que a média, continuará na liderança. E as áreas terrestres – onde as pessoas vivem – continuarão a aquecer mais rápido do que o oceano, com regiões afetadas de maneiras diferentes. No geral, a Terra ficará mais úmida, mas algumas áreas sofrerão maior secura.

Essas tendências úmidas e secas geralmente têm sido consistentes ao longo de décadas de modelagem climática. Isso se deve a uma intensificação do ciclo da água e aos padrões climáticos prevalecentes. As altas latitudes e as áreas de monções da África e da Índia ficarão mais úmidas, o que significa inundações em áreas menos preparadas para esses extremos.

Enquanto isso, as áreas vulneráveis ​​ao estresse hídrico e ao fogo continuarão a mergulhar cada vez mais na seca. Essas áreas incluem o Sudoeste dos Estados Unidos, América Central, Amazônia, Sul da África, Mediterrâneo e Oriente Médio. Todas essas áreas enfrentaram escassez de água e incêndios florestais descontrolados e essa tendência vai continuar com tendência de piora.

À medida que as temperaturas aumentam, as condições extremas se tornam mais prováveis, em alguns casos em um ritmo acelerado. Isso é especialmente verdadeiro para extremos de clima quente. Tanto a frequência quanto a intensidade das ondas de calor continuarão a aumentar.

Eventos de calor extremo como o que uma região espera experimentar uma vez a cada 50 anos agora podem se dar a cada poucos anos e o intervalo diminui ainda mais conforme o aquecimento continua.

A precipitação também tem uma conexão direta com a temperatura da atmosfera e o relatório indica que os eventos de precipitação intensa continuarão a aumentar em intensidade e frequência. Como um clima mais quente intensifica o ciclo da água, não são apenas os eventos de forte precipitação que aumentarão.

As secas também. Embora a precipitação média aumente na maioria dos lugares, a chuva deve ocorrer em eventos extremos de altos volumes e não em chuvas moderadas que se espalham ao longo do tempo.

O maior impacto na seca ocorre porque mais energia térmica no sistema significa maior evaporação, secando a vegetação e os solos. Com o aquecimento maior, chuvas intensas e eventos de seca que seriam esperados apenas uma vez a cada dez anos em uma determinada região também acontecerão com mais frequência.

Nas regiões mais frias, o aquecimento adicional significará obviamente o degelo amplificado do permafrost e a perda da cobertura de neve sazonal, gelo terrestre e marinho. Em todos os cenários de emissões, o Ártico provavelmente estará praticamente livre de gelo marinho em setembro (quando atinge seu mínimo anual) pelo menos uma vez antes de 2050.

Para agravar o impacto do derretimento do gelo está o fato de que o gelo reflete os raios do sol de volta ao espaço, de modo que a perda de gelo atua como um ciclo de feedback, acelerando o aquecimento. O degelo do permafrost libera gases de efeito estufa há muito aprisionados, outro mecanismo de feedback que aumentará.

Embora seja necessário limitar o aquecimento para preservar a capacidade da Terra de sustentar a vida no futuro, existem certas mudanças já embutidas no sistema que são irreversíveis em escalas de tempo de séculos. Mesmo se parássemos de aquecer hoje, os mares continuarão subindo e o gelo continuará derretendo porque o oceano armazena, circula e libera calor por períodos muito mais longos.

“O nível do mar está comprometido a subir por séculos a milênios devido ao contínuo aquecimento do oceano profundo e derretimento da camada de gelo, e permanecerá elevado por milhares de anos”, diz o relatório.

A Paleoclimatologia mostra em registros como núcleos de gelo, anéis de árvores e sedimentos oceânicos que entre 125 mil anos atrás e a Idade do Gelo, os níveis do mar eram muito mais altos do que hoje, mas as temperaturas eram praticamente as mesmas de hoje.

Isso leva à conclusão de que, por meio do derretimento contínuo do gelo, os mares continuarão a subir por centenas de anos, eventualmente atingindo os níveis vistos pela última vez durante esse período, o que inundaria cidades costeiras como algumas capitais do Brasil.

O CENÁRIO DO FILME DE CATÁSTROFE

O sistema, que circula águas mais quentes dos trópicos para o Norte e envia água mais fria para o Sul em correntes mais profundas, tem efeitos de longo alcance nos padrões climáticos em grandes porções do globo.

A preocupação com isso vem crescendo. Há apenas alguns anos, o IPCC avaliou que um colapso nesta circulação oceânica muito importante não seria provável por centenas de anos, mas desta vez eles não têm tanta certeza.

Agora, os autores dizem que o AMOC é “muito provável que enfraqueça ao longo do século 21 para todos os cenários de emissão”, e eles só podem dizer que “há uma confiança média de que não haverá um colapso abrupto antes de 2100”. Se tal colapso ocorresse, provavelmente causaria mudanças drásticas nos padrões climáticos regionais e no ciclo da água, causando impactos generalizados e significativos sobre as chuvas e a seca em todo o mundo.

 

 

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