Microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, destaca a importância da vacinação para o combate à pandemia e explica que efeitos colaterais nas crianças são iguais ao de qualquer outro imunizante.
Em quase dois anos de pandemia, as variantes do coronavírus, as ondas de novos casos, as descobertas da ciência e também o avanço da vacinação contra a Covid-19 geram diferentes dúvidas.
Em todo o Brasil, são 625.169 óbitos desde o início da pandemia.
Em entrevista à RPC Curitiba, a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, falou sobre diferentes aspectos da pandemia.
Em qual momento da pandemia estamos?
Eu acho que é seguro dizer que a gente está no final de um momento pandêmico. A gente está transitando agora para sair de uma situação pandêmica global para entrar em situação de endemia e de sazonalidade.
Então, provavelmente, 2022 vai ser o ano em que a gente sai desse estágio pandêmico, dessa emergência global, porque a gente consegue vacinar. Mas, isso tudo vai depender da nossa capacidade de vacinar globalmente porque tem muitos países que ainda não têm acesso à vacinação.
2022 traz, então, um desafio que é muito mais social agora do que tecnológico. Em 2021, a gente resolveu o desafio tecnológico, as vacinas foram desenvolvidas, foram produzidas e foram distribuídas para o mundo, mas essa distribuição foi desigual e agora em 2022 a gente precisa resolver esse problema social.
A gente já tem vacinas, a gente já tem até alguns medicamentos que auxiliam, mas a gente precisa de uma distribuição equitativa desses fármacos, principalmente, pros países mais pobres. Então, fica esse desafio para 2022 que é resolver a questão da equidade.
Depois de pegar Covid, quanto tempo tenho que esperar para tomar a vacina?
A recomendação oficial do Ministério da Saúde é esperar 30 dias. Por que esse intervalo? Porque, quando você está com a doença, o seu sistema imune reage e isso é legal, isso é bom. Mas a gente não quer que a vacina seja dada nesse momento porque a gente quer aproveitar o tempo da vacina ao máximo.
Então, dando esse intervalo de 30 dias, a sua resposta imune já vai estar decaindo, aí você vai lá e toma a vacina e, então, a resposta imune sobe de novo. É o melhor aproveitamento da vacina.
Não é uma contraindicação. Não vai fazer mal. Mas pode perder o melhor efeito da vacina.
Posso tomar outras vacinas ao mesmo tempo?
Pode, pode tomar tudo no mesmo dia. Gripe, tétano, outras vacinas do calendário... Inclusive, é comum no calendário infantil a gente agrupar vacinas no mesmo dia porque a pessoa já está no posto de saúde, a criança já está lá, então, facilita muito a logística. Não tem problema tomar mais de uma vacina.
Passados os 30 dias, se os sintomas persistem, posso tomar a vacina?
Pode tomar mesmo assim. Esses sintomas longos e, infelizmente, às vezes eles perduram por meses, não quer dizer que você ainda está com o vírus, ainda está no pico da doença. São sintomas de Covid longa que acontecem.
Posso tomar a primeira e a segunda dose de uma marca e a terceira de outra? Isso é um problema?
Pode. Inclusive, é recomendado que seja de outra. Fazer essa vacinação do reforço da maneira heteróloga, ou seja, com uma vacina diferente da que você tomou da primeira vez, tem vários estudos que indicam que isso pode dar uma resposta imune melhor. Então é até recomendado que faça assim.
Se eu estou com sintoma, não testei, espero ou posso tomar a vacina?
Espera o resultado do teste se você tá com sintomas. Testa, espera o resultado para ver se realmente vale a pena tomar a vacina naquele momento.
Quem pegou a doença precisa tomar a vacina?
Você tem uma defesa, mas a gente não sabe qual a robustez dessa defesa, porque cada um reage de um jeito. Depende se você foi exposto a uma carga viral muito pequena, maior, como que você reagiu.
Então, você vai ter que tomar a vacina de qualquer maneira para garantir que está protegido.
Ter a doença oferece alguma proteção, mas é muito difícil quantificar o tamanho dessa proteção.
Com a vacina a gente sabe o tamanho da proteção. A vacina foi testada, ela funciona de forma consistente na população e a vacina vai dar ruma resposta imune muito maior do que só a doença. Então, você vai estar na vantagem. Você vai ter uma resposta ainda maior do que se você não tomasse a vacina.
Essas vacinas foram feitas antes da ômicron. Elas protegem contra essa variante?
Elas protegem, mas perderam um pouco da capacidade de proteção justamente pela quantidade de mutações que a ômicron tem. Então, as vacinas continuam protegendo, mas elas protegem um pouco menos, principalmente, se você se infectar. Elas protegem bem contra doença grave, hospitalização e morte.
Então, se você está vacinado principalmente com três doses, com a dose de reforço, você pode até pegar a ômicron, mas, dificilmente, você vai ficar gravemente doente.
Agora, você pode pegar e isso é o motivo para a gente pedir para as pessoas reforçarem outras medidas, o uso de máscara, de máscaras adequadas, evitar aglomeração de pessoas... Tem uma variante muito contagiosa circulando que escapa de vacinas para infecção. Ela te protege de ficar doente, mas ela não te protege totalmente de pegar e transmitir. Então, a gente precisa redobrar esses outros cuidados.
A proteção da vacina dura quanto tempo?
A gente ainda não sabe dizer quanto tempo de proteção a gente vai ter com esse regime de três doses que está se estabelecendo. Então, é muito provável que esse seja o regime oficial pós-pandemia, um regime de três doses de vacina dadas com espaçamento.
Com esse regime a proteção parece ser muito boa, mas é difícil mensurar quanto ela vai durar. Será que vai ser um ano? Dois anos? Cinco anos? Pra sempre? Isso a gente ainda não sabe dizer, com o tempo a gente vai acompanhando as pessoas que fizeram esse regime de doses e vai poder ter uma resposta mais adequada.
Vacinar ou não as crianças?
A criança com uma saúde boa precisa de todas as vacinas contra doenças infecciosas que a gente tem vacinas. A gente nunca deixou de vacinar as crianças para sarampo, caxumba, rubéola, pólio, meningite, tantas outras doenças que têm no calendário vacinal. Então, a gente não pode esquecer como é que era o mundo antes da gente ter vacinas.
Uma em cada cinco crianças morriam de doença infecciosa antes de completar cinco anos de idade. As vacinas tornam as nossas crianças saudáveis, as vacinas protegem as crianças. A vacina de Covid não é diferente de nenhuma outra vacina que tem no calendário e que os pais já estão acostumados a dar.
A vacina de Covid passou pelos mesmos processos, ela passou por testes clínicos com mais de 3 mil crianças, ela passou por uma análise muito criteriosa das agências regulatórias, da FDA, da Anvisa, da Ema na Europa, para averiguar eficácia e segurança.
Então, essas vacinas pediátricas elas foram testadas, foram aprovadas, foram usadas no mundo em mais de 8 milhões de crianças, ou seja, têm um acompanhamento que pode dar muita segurança para os pais de que essa vacina é segura, é eficaz, vai proteger as nossas crianças e não tem nenhum efeito colateral que seja diferente das outras vacinas. Tem efeito colateral de vacina normal: é uma dor no braço, uma febrezinha... São os efeitos esperados e compatíveis com qualquer outra vacina infantil
A gente pode dizer, com certeza, que os benefícios da vacina, a proteção que ela confere às crianças, superam absurdamente qualquer tipo de risco de efeito adverso.
Você prefere, realmente, você que é pai, mãe de uma criança exposta que vai à escola que precisa dessa atividade escolar e social, ou seja, ela tá exposta a pegar Covid. Se ela não estiver vacinada, ela pode pegar Covid.
Covid é uma doença que mesmo que na maioria das crianças seja leve, em algumas crianças ela pode ser grave, ela pode requerer hospitalização, ela pode deixar sequelas de longo prazo, e a vacina pode dar uma dor no braço, uma febrezinha que em 24 ou 48 horas vai passar.
Então, você que é pai e mãe pese essas duas, esses dois fatos, que são comprovados, que são testados, que foram avaliados num enorme número de crianças iguais ao seu filho e pense.
Você prefere que o seu filho tenha um efeito colateral de febre e dor no braço, mas fique protegido contra uma doença que pode ser grave, ou você prefere que seu filho corra o risco de pegar essa doença que pode ser grave.
Então, não é uma conta difícil de fazer e é muito triste que esses efeitos colaterais tão comuns a qualquer vacina infantil estejam sendo usados para assustar os pais e para deixá-los confusos em relação à segurança dessa vacina.
O número de hospitalização não sobe como em outros momentos. O que podemos atribuir à vacinação ou à variante?
É muito mais uma conquista da vacinação. A gente vê principalmente nos outros países que têm um acompanhamento de número de casos, de hospitalizações, de óbitos que é mais refinado entre vacinados e não vacinados. Aqui nos Estados Unidos isso fica bastante óbvio quando a gente observa as curvas de hospitalização e morte com a ômicron – elas são muito mais pronunciadas entre os não vacinados.
Então, quem não se vacina tem muito mais probabilidade de adoecer gravemente com a ômicron do que quem se vacinou. É uma conquista da vacinação. Em países como o Brasil que vacinam bem e vacinam muito, nós temos uma grande vantagem em relação à ômicron ou qualquer outra variante. A nossa população está muito mais protegida de desenvolver doença grave e de precisar de hospital.
A ômicron tem algumas mutações que deixam ela um pouco mais branda, um pouco menos capaz de infectar o pulmão, isso foi comprovado em alguns estudos em células e animais, mas isso não é o suficiente para dizer que ela é branda, que ela é leve, que ela só causa doença leve.
Quer dizer que ela tem uma probabilidade menor de chegar ao pulmão, não quer dizer que ela não chega e como ela infecta muita gente, essa probabilidade menor acaba sendo meio que desprezível na quantidade de pessoa que ela infecta porque ela acaba chegando em muita gente que é suscetível a doença grave.
Então, não podemos menosprezar a ômicron achando que “ah, ela causa doença mais leve”. Ela até tem essa característica fisiológica, mas o potencial que ela tem de causar doença grave porque ela se espalha muito é grande e não deve ser desprezado, e as vacinas protegem.
Então, esse descolamento da curva que a gente vê hoje numa situação muito melhor do que a gente estava em 2020 no começo da pandemia. É porque hoje a gente tem vacinas.
A gente se acostumava a olhar o que acontecia na Europa como espécie de previsão. O que podemos dizer sobre o futuro da pandemia?
Sempre é difícil ficar fazendo previsão do futuro de pandemia. Acho que o que acontece nos outros países deve sempre servir como um sinal de alerta. A gente tem algumas semelhanças e algumas diferenças principalmente com EUA. A semelhança é que são dois países grandes e que estão vacinando mais ou menos na mesma faixa.
O Brasil já passou afrente dos EUA em vacinação como era esperado, mas os EUA tem regiões inteiras que são mais resistentes à vacinação, então, isso forma regiões de não vacinados onde a doença circula mais e acomete mais gente.
O Brasil tem alguns bolsões que têm mais dificuldade de vacinar por diversos motivos, por resistência por um lado, por questões de logística e distribuição por outro, mas tem menos que os EUA. Então, é difícil fazer essa comparação direta, mas, com certeza, o que acontece nos outros países serve de alerta.
Então, quando a gente vê uma variante se espalhando rapidamente na Europa, nos EUA, não existe motivo para pensar que o mesmo não vai acontecer aqui. É nesses dados que a gente deve se basear trazendo para dentro da realidade brasileira.
O que podemos fazer aqui olhando os outros países?
Acho que o mais interessante seria olhar um pouco para dentro, para realidade brasileira, para realidade das grandes cidades. Temos problemas que são muito brasileiros para resolver.
Por exemplo: o nosso maior gargalo nas grandes cidades é contaminação no transporte publico porque as pessoas passam muitas horas aglomeradas. Elas não têm escolha em não se aglomerar com outras pessoas, num ambiente fechado, o vagão de metrô, de trem, de ônibus, onde elas precisam ficar aglomeradas durante um longo período de tempo.
A gente tem diversas medidas que poderiam ser tomadas para mitigar esse tipo de contato que facilita muito a transmissão do vírus, que é distribuição de mascaras PFF2.
São mascaras adequadas para usar quando elas precisam se aglomerar no transporte publico; aumentar a frota porque a gente não pode, e isso é algo que pode ser pensado inclusive para futuras pandemias, a gente não pode mais ter essas situações de onde [tenha] uma exposição tão forte a vírus respiratórios, não é só Covid-19, pessoas aglomeradas em ambientes fechados do transporte publico estão suscetíveis a qualquer doença respiratória.
Então, aumentar a frota, escalonar horários para tentar reduzir o horário de pico de trabalho, tem tantas medidas que poderiam e deveriam ser tomadas agora para garantir que a gente não passe por essa mesma situação no futuro... Garantir a distribuição de vacinas para lugares mais remotos no Brasil, estados brasileiros no norte que ainda não conseguiram vacinar a população com a mesma rapidez e eficiência que São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo.
Então, a gente tem muitos problemas brasileiros para resolver que exigem vontade politica para resolvê-los.
Como você avalia a testagem no Brasil?
A testagem no Brasil foi deficiente desde o início na pandemia. Não houve um investimento em testagem, não houve um planejamento para testagem e continua sendo, infelizmente, uma marca muito ruim do Brasil.
O Brasil testa pouco, testa mal, confunde a população em relação ao tipo de teste que deve ser usado, não vamos esquecer que em 2020 a gente passou meses tendo que explicar para população que teste de anticorpo não servia para fazer diagnóstico e agora a gente tem toda a confusão dos autotestes que deveriam ser uma estratégia super simples como acontece aqui nos EUA, onde muito facilmente você compra um autoteste na farmácia e faz em casa.
Essa discussão fica se alongando, se alongando, com muito pouca informação para as pessoas e muito pouco investimento para testagem. Infelizmente, essa tem sido a marca da testagem na pandemia do Brasil.
Qual o seu recado para as pessoas que ainda não se vacinaram?
Se vacinem, se vacinem como vocês se vacinaram para diversas outras doenças infecciosas. A Covid é apenas mais uma doença infecciosa para qual nós já desenvolvemos vacinas que foram testadas, que são seguras, que são eficazes, e nos precisamos da população vacinada para sair dessa situação.
Todo mundo quer sair dessa situação, mas sair da pandemia depende de uma população vacinada. Não há porque ter medo de se vacinar, não há porque recusar essa vacina, assim como a gente nunca recusou a vacina de sarampo, vacina de rubéola, vacina de pólio. Então, é apenas mais uma vacina no nosso calendário. E é uma vacina extremamente necessária nesse momento.
Por que pode ocorrer de apenas uma pessoa de um casal testar positivo?
Pode acontecer porque algumas pessoas estão mais protegidas do que outras, reagem de forma diferente quando tem a doença, tem uma resposta de anticorpos que pode ser maior ou melhor. Então, isso acontece. É frequente e não quer dizer nada.
Quer dizer assim simplesmente que uma pessoa infelizmente pegou a doença e a outra não, mas, de qualquer maneira, quando tem alguém infectado no seu convívio familiar, na sua casa, você deve redobrar os cuidados e deve cumprir também o isolamento porque você está diariamente exposto àquela pessoa contaminada.
Por que pode ocorrer de apenas uma pessoa de um casal testar positivo?
Pode acontecer porque algumas pessoas estão mais protegidas do que outras, reagem de forma diferente quando tem a doença, tem uma resposta de anticorpos que pode ser maior ou melhor. Então, isso acontece. É frequente e não quer dizer nada.
Quer dizer assim simplesmente que uma pessoa infelizmente pegou a doença e a outra não, mas, de qualquer maneira, quando tem alguém infectado no seu convívio familiar, na sua casa, você deve redobrar os cuidados e deve cumprir também o isolamento porque você está diariamente exposto àquela pessoa contaminada.