A via que dá acesso à sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, foi tomada, na última terça-feira, 20, por homens fortemente armados. Com uma carabina 9 milímetros exposta ao peito, além de uma pistola e uma arma não letal no coldre, um agente da Polícia Judicial fazia as vezes de um guarda de trânsito, parava e examinava os carros, enquanto outras dezenas de agentes rodeavam o local. Do lado de dentro do edifício, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o senador Sergio Moro (União-PR), além de outros parlamentares, juízes e desembargadores, participavam de uma solenidade, observados de perto por policiais federais.
A poucos metros dali, algumas horas mais tarde, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou ao Senado para retomar os trabalhos legislativos depois do feriado de Carnaval. O desembarque gera um movimento intenso e ao mesmo tempo discreto entre um grupo de seguranças que, de terno e gravata, se mistura com os assessores e jornalistas. Um deles repassa no rádio a informação de que o parlamentar está entrando, e uma equipe de policiais logo aparece.
Pacheco desembarca de um veículo blindado, escoltado por homens armados. Desce do carro, cumprimenta os funcionários e algumas pessoas que o abordam, e segue para o seu gabinete - cercado de agentes.
Algo parecido se repete alguns gabinetes adiante, de onde saiu Flávio Dino, ex-ministro da Justiça, e fez o seu último discurso em plenário como senador, exatas 48 horas antes de assumir a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto ele ainda caminhava em direção à saída do prédio, a pista de acesso à chapelaria, o principal ponto de desembarque do Congresso, foi bloqueada — o que, devido à grande movimentação no horário, despertou a impaciência de motoristas, que buzinavam incansavelmente. Rodeado de seguranças, Dino entrou no carro e foi embora, também seguido por uma escolta de agentes à paisana. Apesar de não parecer, era um dia normal.
Desde o final do ano passado, sem alarde, a rotina do Poder em Brasília inclui cuidados redobrados com segurança, reforço no efetivo policial e mudança nos hábitos mais ordinários.
Não é de hoje que políticos e juízes são alvos de hostilidades e ameaças e, por isso, já há um tempo tiveram sua proteção robustecida. O medo, no entanto, escalou vários níveis depois que órgãos de inteligência captaram indícios concretos de que está em andamento um plano elaborado pelo Primeiro Comando da Capital, o famoso PCC, para atentar contra autoridades. O alvo pode ser um deputado, um senador, um ministro ou um magistrado, não se sabe. Investigações revelaram que existe uma trama nessa direção - e foi disparado o alerta.
Considerado uma das maiores organizações criminosas do planeta, o PCC movimenta bilhões de reais por meio do tráfico de drogas, conta com uma enorme estrutura de apoio e seus membros, muitos deles presos, são monitorados dia e noite pelos órgãos de repressão estatais. Em setembro do ano passado, o setor de inteligência da Polícia Penal identificou que a cúpula do Ministério da Justiça estaria marcada como alvo do grupo. O alerta foi encaminhado à Polícia Federal, ao então ministro Flávio Dino e aos secretários da pasta. A orientação foi para que todos se protegessem. Não à toa, Dino, no curto período em que assumiu o Senado, solicitou reforço em sua segurança pessoal ao Departamento de Polícia Legislativa. O ministro, que tomou posse no STF na quinta-feira 22, alterou completamente sua rotina e a da família. "É um período muito tumultuado", disse ele a VEJA. Na verdade, é mais que isso.
Em novembro, o Ministério Público de São Paulo encaminhou à Câmara e ao Senado um relatório de inteligência de nove páginas em que relatava que integrantes do "Restrita", uma espécie de grupo de sicários da facção criminosa, tinham realizado uma incursão em Brasília nos meses de maio, junho e julho do ano passado. Nesse período, gastou cerca de 44 000 reais com o aluguel e a mobília de um imóvel, na aquisição de celulares e eletrodomésticos e com transporte na capital. Os dados estavam registrados em anotações com a contabilidade da facção encontradas pela polícia. Os investigadores também acharam em telefones de membros do PCC imagens das residências oficiais das duas casas legislativas, onde atualmente moram o senador Rodrigo Pacheco e o deputado Arthur Lira. O alerta de perigo foi acionado de vez.
O núcleo em questão é especializado em executar as missões mais ousadas, arriscadas e perigosas para o PCC, como o cometimento de atentados e sequestros, e responde ao comando do líder maior da organização: Marcos Herbas Camacho, o Marcola, que cumpre na Penitenciária Federal de Brasília pena de mais de 300 anos de prisão por uma extensa lista de crimes, entre os quais formação de quadrilha, homicídio e tráfico de drogas. O documento do Ministério Público traz uma informação assustadora. Em julho passado, quando os policiais abortaram um plano para sequestrar o senador Sergio Moro, foi encontrado um paiol no quintal de uma casa de Curitiba usada como uma espécie de quartel-general da quadrilha. Nele, estavam escondidos sofisticados detonadores e explosivos de alto poder de destruição. Os investigadores acreditam que o material seria usado no ataque ao parlamentar, mas não descartam a hipótese de o arsenal também ter sido adquirido para outras operações. Na época, a Polícia Federal prendeu nove membros do PCC envolvidos no planejamento do crime.
Desde então, Moro segue sob um forte esquema de proteção e trata do assunto com especial cautela: "Sobre segurança eu não falo", disse ele.
Segundo os investigadores, a chegada de novos representantes do "Restrita" a Brasília e a constatação de que ele monitorou os endereços dos presidentes da Câmara e do Congresso, mesmo após a operação frustrada contra Moro, indicam que os criminosos não se intimidaram nem desistiram do ataque às autoridades. Os policiais lembram que, pelos códigos do PCC, uma ordem dada por Marcola será cumprida, não importa o tempo que leve. Essa é a regra. A polícia acredita que a casa que teria sido alugada pela quadrilha fica em um bairro popular localizado a 5 quilômetros da penitenciária onde o chefe da organização está preso e a 18 quilômetros da residência dos parlamentares. Por isso, ao ser alertado, Arthur Lira reforçou seu esquema de parlamentares. Por isso, ao ser alertado, Arthur Lira reforçou seu esquema de segurança. Entre as providências adotadas, uma viatura da Polícia Legislativa permanece estacionada 24 horas na porta da residência, e o esquema de proteção foi estendido aos seus familiares. Rodrigo Pacheco também ampliou seu aparato e disse que não comentaria o assunto.
Recentemente, ministros do Supremo também foram aconselhados a redobrar os cuidados.
"O PCC quer atingir uma autoridade que tenha expressão em um dos Poderes para causar um impacto maior. É uma tática terrorista", diz o promotor Lincoln Gakiya, estudioso dos métodos da facção. "É bom ressaltar que ninguém pode dizer que está absolutamente tranquilo", , acrescentou.
O PCC hoje é uma organização transnacional e é classificado como tendo uma atuação similar à máfia italiana. "Eles são capazes de qualquer coisa para atingir seus objetivos", reforça Gakiya. O sequestro teria o propósito de exigir a libertação de Marcola em troca da vida do refém. O líder do PCC está preso há 25 anos, isolado numa cela individual da penitenciária de Brasília, e não vê nenhuma perspectiva de fuga - ou não via.
Até o dia 14 de fevereiro, escapar de uma das cinco penitenciárias de segurança máxima habitava apenas o imaginário dos maiores e mais perigosos criminosos do país. Dois detentos vinculados ao Comando Vermelho, no entanto, conseguiram fugir da Penitenciária Federal de Mossoró (RN). Não foi uma ação ousada. Eles fizeram um buraco na cela, através dele escalaram o telhado, romperam a grade do pátio e despareceram. Drones, helicópteros e 600 policiais foram mobilizados na operação de recaptura, que ainda não havia sido bem-sucedida até o fechamento desta edição. Recém-empossado no cargo, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, determinou uma revisão de todos os equipamentos e protocolos de segurança, afastou a direção do presídio, anunciou a construção de muralhas em todas as penitenciárias federais e garantiu que um caso como esse não vai se repetir. Pode ser. Enfrentar o crime organizado, porém, vai exigir muito mais que discursos e medidas óbvias.