Moradoras do Texas que desejarem abortar após as seis semanas terão de deixar o Estado para fazê-lo — na prática, viajar uma distância média de 400 km, segundo estimativas do grupo pró-escolha Guttmacher Institute.
Como isso se difere das demais restrições ao aborto
A maioria das restrições à prática nos EUA até agora se amparavam em penalidades criminais ou em diferentes tipos de regulação.
Já a lei do Texas autoriza "a ação de um cidadão privado", permitindo que qualquer pessoa acione a Justiça, mesmo que ela própria não tenha qualquer relação com o aborto realizado.
Assim, qualquer cidadão, do Texas ou de outros Estados, pode pedir até US$ 10 mil em danos em uma corte civil contra provedores de aborto e médicos — e possivelmente contra qualquer pessoa envolvida no processo. Isso incluiu funcionários de clínicas, parentes da mulher ou clérigos que a ajudem no processo decisório do aborto.
Assim, ao se colocar a lei nas mãos de cidadãos privados em vez de autoridades governamentais, a lei não pode ser juridicamente contestada até que um cidadão de fato inicie um processo.
Kim Schwartz, integrante da entidade antiaborto Texas Right to Life (e defensora da nova lei), disse à BBC que a maioria das leis antiaborto "passam anos sendo analisadas no sistema judicial, o que frustra a vontade das pessoas". No caso da lei atual, argumentou, a Justiça exigirá que qualquer processo parta de "uma queixa crível de que ocorreu um aborto ilegal", dando início a uma investigação.
Mas a ACLU e outros críticos denunciam que a lei vai desencadear um "esquema de caça a recompensas" por parte de cidadãos, resultando em custosos processos legais projetados para inibir as mulheres que buscam abortar.
Segundo a entidade, grupos antiaborto já estão organizando linhas telefônicas para receber denúncias.
O aborto nos EUA
O aborto é, há muito tempo, um dos temas mais contenciosos nos EUA. Mas pesquisas do instituto Pew Center indicam que quase 6 em cada 10 americanos acreditam que o aborto deveria ser legal em todos ou quase todos os casos.
Esse número tem se mantido relativamente estável nas duas últimas décadas, mas mascara um racha partidário: apenas 35% dos republicanos apoiam isso.
No Texas, um Estado conservador, uma pesquisa realizada em abril apontou que quase a metade dos eleitores apoia o veto ao aborto após as seis semanas.
A lei texana é um entre muitos esforços recentes para limitar o aborto em Estados controlados por políticos republicanos.
Idaho, Oklahoma e Carolina do Sul aprovaram, neste ano, leis vetando o aborto após seis semanas de gestação — todas elas foram adiadas por disputas legais e ainda não entraram em vigor.
Segundo o Guttmacher Institute, o ano de 2021 já vê mais restrições impostas ao aborto do que outro ano desde o julgamento Roe x Wade, quase 50 anos atrás.
Defensores dessas medidas antiaborto estão empoderados pela atual composição da Suprema Corte, atualmente com seis juízes de inclinação conservadora e três de inclinação liberal.
Americanos favoráveis ao direito de escolha da mulher temem que, caso haja uma oportunidade para tal, a maioria da Suprema Corte se posicione a favor de restrições maiores ao aborto. Isso não tornaria a prática ilegal, mas, na verdade, daria aos Estados o poder de decisão.
Em contrapartida, Estados de maioria democrata, como Nova York, colocaram em prática medidas para garantir o acesso ao aborto nesse tipo de cenário.