Lavagem de dinheiro ilícito
MUNDO
Publicado em 22/09/2020

Documentos secretos dos EUA expõem grandes bancos em lavagem de dinheiro ilícito

Um vazamento maciço de arquivos oficiais dos Estados Unidos, conhecido neste domingo, revela que grandes bancos violaram durante anos as regulações internacionais sobre lavagem de dinheiro e favoreceram ―através de movimentos bilionários― questionados magnatas do Leste Europeu, redes criminosas e “operadores políticos” acusados de corrupção. A investigação começou com um vazamento de documentos secretos para o site BuzzFeed News, que compartilhou os arquivos com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos  (ICIJ, na sigla em inglês).

Arquivos do Departamento do Tesouro dos EUA revelam que algumas das maiores instituições financeiras do mundo facilitaram por anos lavagem de dinheiro. Valor suspeito movimentado chega a US$ 2 trilhões de dólares.

Desde oligarcas ucranianos à rede do empresário colombo-venezuelano Álex Saab, suposto testa de ferro de Nicolás Maduro detido em Cabo Verde e ameaçado de extradição para os EUA, passando por narcotraficantes procurados pela Justiça norte-americana, as transações de recursos ilícitos deram a volta ao mundo e envolvem instituições como JP Morgan e… como sempre, o HSBC , cujo grande acionista é a família Rothschild, através das holdings Black Rock.

A investigação começou com um vazamento de documentos secretos para o site BuzzFeed News, que compartilhou os arquivos com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). Trata-se de milhares de relatórios que as entidades bancárias norte-americanas remetem diante de qualquer suspeita ao escritório de Controle de Crimes Financeiros (FinCEN), subordinado ao Departamento do Tesouro dos EUA.

Os registros demonstram, segundo a apuração, que “seis bancos globais (JP Morgan, HSBC, Standard Chartered Bank, Deutsche Bank e Bank of New York Mellon e Barclays) continuaram se beneficiando” desses clientes inclusive depois de terem sido punidos pelas autoridades norte-americanas.

“Em alguns casos”, observa o ICIJ, “os bancos continuaram movendo recursos ilícitos inclusive depois de funcionários norte-americanos terem alertado que sofreriam processos penais se não deixassem de fazer negócios com mafiosos, estelionatários e políticos de regimes corruptos”.

O JPMorgan, por exemplo “movimentou dinheiro para pessoas e empresas vinculadas ao saque maciço de recursos públicos na Malásia, Venezuela e a Ucrânia”. Concretamente, as transações dessa instituição somam um bilhão de dólares (5,4 bilhões de reais) para um magnata, foragido da Justiça e vinculado ao desfalque de bilhões do fundo soberano 1-Malaysia Development Berhard (1MDB).

Segundo informa o site venezuelano Armando.infoos documentos também contêm rastros dos negócios de Álex Saab, acusado de ser um operador laranja de Nicolás Maduro e atualmente detido em Cabo Verde, à espera de extradição para os Estados Unidos.

Essas movimentações, conforme destaca o Consócio de Jornalistas, chegaram a salpicar a campanha do próprio mandatário norte-americano, Donald Trump. “O JP Morgan também processou mais de 50 milhões [de dólares, 270 milhões de reais] em pagamentos durante uma década, conforme mostram os registros, para Paul Manafort, o ex-chefe de campanha do presidente Donald Trump.

O banco JP Morgan transferiu pelo menos 6,9 milhões em transações de Manafort nos 14 meses posteriores à sua renúncia à campanha, em meio de um turbilhão de acusações de lavagem de dinheiro e corrupção que surgiram de seu trabalho com um partido político pró-russo na Ucrânia”.

Os arquivos, que abrangem 17 anos, de 2000 a 2017, demonstram que as transações suspeitas “continuaram aumentando através das contas do JP Morgan, apesar das promessas do banco de melhorar seus controles de lavagem de dinheiro como parte dos acordos que alcançou com as autoridades norte-americanas em 2011, 2013 e 2014”, segundo a investigação. O banco alegou estar legalmente proibido de falar sobre seus clientes ou transações. Disse ter assumido um “papel de liderança” na busca de “investigações proativas dirigidas por inteligência” e o desenvolvimento de “técnicas inovadoras para ajudar a combater os crimes financeiros”.

Nem a agência encarregada do controle de crimes financeiros nem o Departamento do Tesouro responderam às perguntas remetidas em agosto pelo ICIJ e seus aliados nesta investigação. “O FinCEN disse ao BuzzFeed News que não comenta sobre a existência ou não existência de relatórios específicos de atividades suspeitas, às vezes conhecidas como SARs. Dias antes da publicação da investigação por parte do ICIJ e seus sócios, o FinCEN anunciou que estava procurando comentários públicos sobre formas de melhorar o sistema contra a lavagem de dinheiro dos EUA.”

O trabalho abrange 17.600 registros de pessoas com informação privilegiada e denunciantes, arquivos judiciais, pedidos de liberação de informação e outras fontes. O vazamento, cujos detalhes serão divulgados nos próximos dias, ameaça desatar uma tempestade política em vários países, incluindo, provavelmente, os Estados Unidos.

De Narcotraficantes e Saqueadores de Tumbas

Os documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos são uma espécie de volta ao mundo através de transações ilícitas de recursos bilionários. Conforme informou o ICIJ à BBC, a partir dos arquivos secretos os jornalistas rastrearam o dinheiro “de um traficante de drogas de Rhode Island, nos Estados Unidos, até um laboratório químico em Wuhan, na China.

Também “exploraram escândalos que paralisaram as economias da África e Leste Europeu; identificaram saqueadores de tumbas com relíquias budistas que foram vendidas a galerias de Nova York; e seguiram magnatas venezuelanos que desviaram dinheiro de governo destinado para moradias públicas e hospitais”.

Nos últimos 16 meses, 400 jornalistas de 88 países analisaram a fundo os registros vazados, conduziram entrevistas com investigadores e vítimas, vasculharam registros judiciais e de arquivos e revisaram dados sobre milhões de transações ocorridas entre 1999 e 2017. O que torna esse vazamento diferente de outros anteriores, como o Panama Papers, em 2016, é que o FinCEN Files, como foi batizado, não reúne apenas documentos de uma ou duas empresas, mas de vários bancos.

A lavagem de dinheiro possibilita que narcotraficantes, contrabandistas e golpistas de esquemas fraudulentos transfiram lucros ilícitos para longe do alcance das autoridades em seus países. Além disso, déspotas e donos corruptos de indústrias aumentam suas próprias fortunas ilícitas e consolidam o poder.

“Não são os próprios criminosos que lavam o dinheiro. Portanto, os bancos têm um papel realmente importante, porque são o sistema pelo qual o dinheiro está sendo transferido de seu país para um lugar seguro”, explica Graham Barrow, especialista em lavagem de dinheiro. “Todos nós, no final, pagamos o preço por isso. Porque esse dinheiro vem de nossos impostos e de nossas contribuições para a sociedade”, completa Barrow.

SARs não são necessariamente evidências de irregularidades. Os bancos são obrigados a relatar transações suspeitas que possam estar relacionadas a crimes financeiros, como lavagem de dinheiro ou evasão fiscal, ou atividades que envolvam clientes com perfis de alto risco ou que tenham tido problemas com a lei [tráfico de armas, de drogas, et caterva].

O USDT exige que as instituições financeiras que operam nos Estados Unidos registrem SARs na Financial Crimes Enforcement Network – FinCEN, quando tiverem motivos para suspeitar que uma transação possa estar violando os regulamentos. O FinCEN tem a tarefa de proteger o sistema financeiro do uso ilícito e lavagem de dinheiro. A não apresentação de SARs pode render aos bancos multas ou penalidades.

A investigação do ICIJ descobriu que os grandes bancos deram sinal verde a mais de US$ 2 trilhões de dólares em transações que posteriormente sinalizaram como suspeitas. Em outras palavras, os bancos protocolaram seu relatório de atividade suspeita após a realização das transações. A maioria dos SARs nos arquivos FinCEN veio de poucos bancos:

  • Deutsche Bank (982),
  • Bank of New York Mellon (325),
  • Standard Chartered Bank (232),
  • JPMorgan Chase (107),
  • Barclays (104) e
  • HSBC (73).

Juntos, apenas esses seis bancos registraram mais de 85% dos SARs contidos no vazamento.

De acordo com o BuzzFeed News e o ICIJ, o FinCEN recebeu mais de 2 milhões de SARs somente em 2019. Entre 2011 e 2017, a unidade de crimes financeiros coletou mais de 12 milhões de SARs. Portanto, os dados vazados representam apenas uma pequena parcela do total dos documentos.

Governo dos EUA condena vazamentos

Ao ser questionado sobre o conteúdo dos relatórios de atividades suspeitas, o FinCEN se recusou a comentar o caso e condenou o vazamento de documentos. O Conselheiro Chefe do FinCEN, Jimmy Kirby, respondeu ao BuzzFeed News que “a divulgação não autorizada de SARs pode interromper investigações de aplicação da lei em andamento ou futuras que envolvam informações contidas em SARs.”

Segundo ele, o vazamento de documentos “permite que os atores criminosos descubram evidências relevantes ao saber da existência de uma investigação ou investigação potencial e colocam testemunhas e vítimas em risco de danos físicos”. Na resposta por escrito, Kirby também apontou que “tais divulgações não autorizadas têm um efeito inibidor nas instituições de depósito que podem estar menos dispostas a relatar informações acionáveis ​​ao FinCEN por medo de que sejam tornadas públicas ilegalmente.”

 

O porta-voz da Divisão Criminal do Departamento de Justiça, Matt Lloyd, disse ao ICIJ que “o Departamento de Justiça mantém seu trabalho e continua comprometido em investigar e processar crimes financeiros – incluindo lavagem de dinheiro – onde quer que eles sejam encontrados”.

 

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