O que acontece quando neva (MUITO) em um país que não está acostumado a um inverno tão rigoroso
Ahh, a neve… Todas as ruas branquinhas. Crianças de bochechas rosadas fazendo bonecos. O famoso anjo desenhado no chão. Esqui, trenó, árvores monocromáticas, a fumacinha saindo da lareira. Que imagens mais belas, não é mesmo? Mas, se você já ouviu o viralizadíssimo (e hilário) “Diário de um argentino em Toronto”, sabe que o amor por esse cenário idílico pode se transformar em ódio em poucas semanas. Caso ele estivesse na Espanha agora mesmo, isso teria acontecido em questão de horas.
A neve é, de fato, linda. O problema é que, na Espanha, não sabemos brincar de inverno rigoroso. Com exceção das zonas montanhosas, onde é normal nevar todo ano, a grande maioria do país não está acostumada a lidar com a situação. Consequentemente, as máquinas que limpam as ruas são escassas (ou inexistentes); as casas não estão preparadas; os telhados dos galpões não aguentam o peso do gelo; as pessoas não sabem dirigir (e nem caminhar!) nessas condições; quase ninguém tem uma pá no porta-malas pra desenterrar o próprio carro; a maioria não tem nem ideia de como encaixar uma corrente em um pneu (e muito menos tem uma corrente dessas!); entre muitos outros fatores.
No último fim de semana, uma nevasca épica trazida pelo temporal Filomena cobriu quase todo o país de branco. Vídeos surrealistas rodaram o mundo, com gente andando de trenó (puxado por huskies siberianos) e fazendo snowboard em pleno centro de Madri. Mas os divinos floquinhos de gelo não tardaram em mostrar a sua faceta menos fofa. O aeroporto da capital passou dias interditado, assim como praticamente todas as linhas de trem na região central do país. Milhares de pessoas ficaram presas nas estradas, incluindo aí os caminhões responsáveis pelo abastecimento. O peso da neve fez com que tetos desabassem, assim como galhos de árvores e até postes da rede elétrica, deixando várias localidades sem luz (e sem aquecimento!).
E quando imaginávamos que o pior já tinha passado, a maior onda de frio dos últimos 20 anos literalmente congelou a Espanha desde ontem. Na última noite, um povoado de Guadalajara registrou mínima de -35°C, temperatura capaz de assustar até um urso polar. Em Madri, chegou a fazer -16°C. Ou seja, tudo o que era neve fofinha se transformou em gelo compacto.
A friaca siberiana fez com que até os encanamentos de muitos edifícios congelassem (e estourassem!), deixando uma galera sem água. Nas ruas, o manto branquinho se transformou em uma pista de patinação de gelo, provocando tombos e acidentes – porque sim, muita gente insiste, ou simplesmente precisa, sair de casa. E enquanto na Finlândia ou em Nova York as pessoas são multadas se não retiram a neve de seus telhados, aqui ninguém nem sabe como fazer isso. Como resultado, caminhar pelas calçadas neste momento é o mais radical dos esportes, já que avalanches de gelo estão caindo por todos os lados. O caminhão de lixo não passa há dias em vários lugares e os sacos vão se acumulando pelos cantos. Ah! E já estamos surfando na terceira onda da pandemia. Simplesmente o caos!
Barcelona, onde eu moro, foi um dos poucos lugares do país onde não nevou. Mas, até aqui, está fazendo um frio que, em 20 anos, nunca senti. Há vários dias, a sensação térmica à noite é de -2°C ou até menos. Meu apê não tem calefação e as janelas não vedam bem. Como Murphy não falha, na sexta-feira à tarde o meu aquecedor elétrico quebrou. Como as lojas estão fechadas nos fins de semana devido à pandemia (e a Amazon não entregou o que pedi porque os seus caminhões ficaram bloqueados em Madri), passei o fim de semana embaixo de um metro de cobertores e edredons. Mas, diante do que está acontecendo no resto do país, é até falta de educação reclamar desse meu draminha particular…