As maiores epidemias da história tiveram uma relação, mais ou menos direta, com a escassez e a saúde da água e com a consequente pobreza das práticas de higiene: os cursos d’água mais lendários do mundo, como o Ganges, o Nilo, o Reno, embora arautos de riqueza e prosperidade, muitas vezes têm sido a fonte de inúmeros males.
Por isso, os avanços científicos sobre o modo de transmissão de doenças como a cólera e a febre tifoide têm ajudado a estimular uma consideração mais cuidadosa das reservas de água, principalmente nas cidades, já no final do século XIX.
Mais água, portanto, não é apenas sinônimo de mais água para beber, mas, acima de tudo, uma ferramenta fundamental para a higiene pessoal e pública, juntamente com a capacidade de drenar ou diluir águas residuais.
Por esse motivo, os conflitos relacionados à segurança hídrica para orientar a saúde e o futuro geopolítico do planeta são chamados de guerras da água ou denominados com o nome lustroso de water diplomacy, diplomacia da água.
Mais de um ano após a eclosão da pandemia de coronavírus, apesar das origens do Covid-19 ainda serem obscuras, agora está claro o quanto as práticas de higiene e, portanto, a água, são essenciais na prevenção de um vírus que requer abluções contínuas e meticulosas.
Ao contrário da primeira fase da pandemia, durante a qual o continente mais afetado foi a Europa, principalmente devido ao alto índice de fluxos de pessoas e mercadorias, hoje as situações mais críticas são registradas na América do Norte, América do Sul e Ásia. Os países com mais casos, de longe, são os Estados Unidos – com mais de 30 milhões de casos confirmados – e a Índia, com 11,4 milhões. Ambos países que tiveram, além de suas administrações, problemas muito graves de abastecimento de água, desde tempos imemoriais.
Nos Estados Unidos, que certamente não é um país em desenvolvimento, um estudo da Cornell University e do grupo de defesa nacional Food & Water Watch (FWW) constatou, por exemplo, que o corte no abastecimento de água, vinculado à impossibilidade de muitas famílias de pagar os serviços públicos, contribuiu para o desenvolvimento de, pelo menos, meio milhão de infecções e talvez mais.
A Índia, por outro lado, experimentou, nas últimas semanas, um ressurgimento da epidemia. No país, mais de 50% da população não tem acesso à água potável, e cerca de 200.000 pessoas morrem, a cada ano, por falta de acesso à água potável.
A atual pandemia de coronavírus não está tornando este problema nacional mais fácil de se controlar. Cerca de 82% das famílias rurais não têm água potável. Lavar as mãos é um luxo que milhões de indianos não podem pagar: o que está ocorrendo, desde 2020, na verdade, foi definido pelo National Institution for Transforming India como “a pior crise hídrica” da história da Índia, enquanto o Composite Water Management Index, Índice Composto de Gestão da Água (CWSI), 2018, descobriu que a demanda de água excederá o fornecimento disponível em 2030.
Como todos os estressores agudos, a pandemia Covid-19 atua como um multiplicador de vulnerabilidades crônicas, acelerando a insegurança hídrica, especialmente em áreas altamente urbanizadas. Isso significa que, uma vez que a categoria “guerra por petróleo” caiu nas sombras, as temidas guerras de água, já uma realidade em si, se tornarão a razão mãe para os próximos conflitos.
Na verdade, a segurança da água tem se mostrado fundamental no combate à pandemia. Além disso, o elemento água pode mudar a fisionomia ou agravar inúmeros conflitos “congelados”, como o árabe-israelense: um dos maiores obstáculos para a paz entre israelenses e palestinos, na verdade, está precisamente ligado ao uso comum do aquífero de montanha, cuja porção rica em água está localizada no assim dito west bank, a margem oeste do rio Jordão.