Al Qaeda promete guerra em todas as frentes contra os Estados Unidos
MUNDO
Publicado em 04/05/2021

Neste sábado, 1º de maio, marca os dez anos da morte de Osama Bin Laden. O mentor dos ataques de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos foi morto pelas forças de operações especiais Seal Team 6, dentro de seu esconderijo de muros altos na cidade de Abbottabad, no Paquistão.

O nome do líder e de sua rede terrorista, a Al Qaeda, definiram uma era de reação e retaliação dos Estados Unidos, superando qualquer política antiterrorista anterior.

Agora, a "guerra ao terror" está prestes a entrar em uma nova fase, já que o presidente Joe Biden se prepara para retirar todas as forças americanas do Afeganistão até o 20º aniversário do 11 de setembro. Porém, do outro lado, a Al Qaeda afirma que sua guerra com os Estados Unidos está longe do fim.

Em uma entrevista exclusiva à CNN conduzida por intermediários, dois membros da Al Qaeda disseram que "a guerra contra os EUA continuará em todas as outras frentes, a menos que sejam expulsos do resto do mundo islâmico".

No passado, a Al Qaeda raramente respondia às perguntas, preferindo se esconder atrás da própria propaganda, evitando até mesmo o escrutínio mais distante. Não está claro por que o grupo decidiu fazer isso agora.

O analista de terrorismo Paul Cruickshank, editor-chefe do Combating Terrorism Center (CTC), de West Point, que revisou as respostas da Al Qaeda, diz que é possível "eles se sentirem estimulados pela decisão do governo Biden de retirar as tropas do Afeganistão, mas também podem estar tentando desviar atenção às muitas perdas recentes. "

Al Qaeda sugere que Taleban mente em negociações com os Estados Unidos 

Hoje, o grupo terrorista que rugia e chamava a atenção mundial está reduzido a um gemido, mas está longe de estar morto. E agora diz que está planejando um retorno depois que as forças dos EUA deixarem o Afeganistão, fazendo parceria mais uma vez com o Taleban.

Em sua resposta à CNN, dois membros da Al Qaeda transmitiram elogios ao grupo fundamentalista por manter viva a luta contra os Estados Unidos. “Graças aos afegãos pela proteção dos camaradas de armas, muitas dessas frentes jihadistas operam com sucesso em diferentes partes do mundo islâmico há muito tempo”, disse o porta-voz.

Soldados dos EUA patrulham ruas de Musa Qala, no Afeganistão, em 2010
Soldados dos EUA patrulham ruas de Musa Qala, no Afeganistão, em 2010; atualmente, cidade é controlada pelo Talibã
Foto: Paula Bronstein - 20.nov.2010/Getty Images

Em 11 de setembro deste ano, a guerra mais longa da América que visava neutralizar o grupo terrorista terminará formalmente, com o presidente Biden declarando: "Bin Laden está morto e a Al Qaeda está degradada, no Afeganistão. E é hora de acabar com a guerra para sempre."

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, explicou a decisão ao programa "This Week", da ABC, no início deste mês: "fomos ao Afeganistão há 20 anos porque fomos atacados em 11 de setembro e fomos enfrentar aqueles que nos atacaram em 11 de setembro, e para garantir que o Afeganistão não se torne novamente um paraíso para o terrorismo dirigido aos Estados Unidos ou a qualquer um de nossos aliados e parceiros ", disse Blinken. "E alcançamos os objetivos que nos propusemos alcançar."

O que tornou a saída possível foi o acordo dos Estados Unidos com o Taleban afegão feito em fevereiro de 2020, no qual o grupo prometeu cortar os laços com a Al Qaeda que levaram as tropas americanas a invadirem o Afeganistão após os ataques de 11 de setembro.

Joe Biden discursa
Joe Biden discursa e anuncia retirada de tropas americanas do Afeganistão até 11 de setembro (14.abr.2021)
Foto: Andrew Harnik-Pool/Getty Images

Por meio de intermediários jornalísticos, o jornalista da CNN Saleem Mehsud procurou a Al Qaeda para saber sua reação ao movimento de Biden de retirar as tropas do país, e em vez de ignorá-lo como fez tantas vezes no passado, os representantes responderam.

A resposta deles sugere que o Taleban não está sendo tão honesto com o governo de Biden e que a retirada das tropas dos EUA pode ser baseada em uma farsa.

A CNN entrou em contato com o Taleban para comentar sobre o relacionamento com a Al Qaeda, mas não obteve resposta, tornando o posicionamento da Al Qaeda à CNN uma visão significativa sobre o que pode ocorrer após a retirada das tropas americanas.

Peter Bergen, especialista em terrorismo da CNN e autor de vários livros sobre Osama Bin Laden, leu a resposta da Al Qaeda e julgou-a "genuína".

Bergen aponta para outra parte do comunicado, destacando os laços contínuos com o Taleban, na qual afirma: "ao mesmo tempo, TTP [Taleban Paquistanês] e AQ [Al Qaeda] têm relações de irmandade islâmica que estavam e ainda estão intactas e o mesmo acontece com Taleban afegão."

Ele observa: “isso confirma o que a ONU tem dito que 'o Taleban consultou regularmente' a Al Qaeda durante suas negociações com os Estados Unidos, garantindo que eles 'honrariam seus laços históricos' com o grupo terrorista."

De forma um tanto ambígua, a Al Qaeda também afirma não ter interesse em usar o próprio Afeganistão como plataforma de lançamento para ataques futuros, porque não precisa mais dele.

“Não era necessário o Afeganistão e não existe essa intenção no futuro”, diz o grupo. No entanto, como Cruickshank aponta, "uma declaração de intenções de um agente anônimo dificilmente é vinculativa para o grupo."

Estado Islâmico ajudou a enfraquecer a Al Qaeda

Em sua resposta à CNN, a Al Qaeda declara a vitória do Afeganistão. "Os americanos estão agora derrotados" e traçam um paralelo com a retirada da União Soviética do país há três décadas e seu subsequente colapso: "A guerra dos Estados Unidos no Afeganistão desempenhou um papel fundamental no ataque à economia dos Estados Unidos."

Essa linha ecoa a retórica do próprio Bin Laden, que promoveu a ideia simplificada de que os soviéticos faliram no Afeganistão. O custo das guerras dos EUA contra o terrorismo chegou a trilhões, mas os ataques de 11 de setembro não trouxeram o colapso econômico dos EUA.

A Al Qaeda admite o preço que a guerra cobrou deles, dizendo que enviou "a maioria" dos combatentes centrais da Al Qaeda para a Síria, onde "alguns deles foram martirizados nos últimos anos".

Também admite que a morte de Bin Laden nas mãos do Seal Team 6 enfraqueceu o grupo, permitindo que os islâmicos mais niilistas se fortalecessem. "Eles se beneficiaram do martírio do Sheikh Osama, Sheikh Atiyahullah, Sheikh Abu Yahya Al-Libi (que Deus tenha misericórdia deles) e muitos outros."

Nos últimos anos, as atrocidades e ataques que o autodenominado Estado Islâmico provocou na Europa quase acabaram com a Al Qaeda. Mas a organização terrorista classifica isso como um "silêncio tático", alegando que não está "quebrada" e, em vez disso, está "travando uma longa guerra" com "diferentes estágios".

O atual líder da Al Qaeda, o menos carismático Ayman al-Zawahiri, vive uma existência quase virtual e é ouvido apenas em raros lançamentos de propaganda. No entanto, o grupo ainda se vê como líder para outros jihadistas. “Franquias” da Al Qaeda operam no Iêmen, Síria, Somália e norte da África, entre outros lugares.

Em resposta à CNN sobre seu papel no Paquistão e no Afeganistão, afirma ter "planejado" o ataque de 2009 que matou sete agentes da CIA em sua base perto de Khowst. Ele disse que na época o Taleban paquistanês, o TTP, que também era conhecido por estar envolvido no ataque, era parceiro e "estava em seus estágios de aprendizagem, muitos erros foram cometidos por eles".

Bergen analisa: "isso se encaixa com os documentos [de Bin Laden] em Abbottabad nos quais os líderes da Al Qaeda tratam a TTP como um parceiro júnior que eles podem comandar [embora a AQ seja uma organização pequena e a TTP uma grande, relativamente falando]."

Biden parece estar ciente da potencial falsidade do Taleban e a disseminação da Al Qaeda, dizendo em seu discurso ao Congresso nesta quarta-feira (28) que "manteremos uma capacidade além do horizonte de suprimir futuras ameaças à pátria".

A morte de Osama Bin Laden é capa de jornais nos Estados Unidos.
A morte de Osama Bin Laden é capa de jornais nos Estados Unidos no dia seguinte à execução, 03 de maio de 2011.
Foto: Mark Wilson/Getty Images

"Mas não se enganem: a ameaça terrorista evoluiu para além do Afeganistão desde 2001 e continuaremos vigilantes contra ameaças aos Estados Unidos, de onde quer que venham. Al Qaeda e Estado Islâmico estão no Iêmen, Síria, Somália e outros lugares na África e no Oriente Médio e além”, afirmou o democrata. 

Afeganistão pode ficar livre da Al Qaeda 

Hoje, a Al Qaeda parece orgulhosa de sua influência sobre o TTP. "Agora, a organização do Taleban paquistanês e sua liderança não apenas avançam à luz da Sharia (lei islâmica), mas também tomando melhores decisões com base em experiências passadas e sucessos recentes, tornaram-se possíveis pela mesma unidade e adesão à lei islâmica e à sabedoria."

Não está claro se esta é uma referência ao primeiro grande ataque do TTP em vários anos, no qual atingiu um hotel onde o embaixador chinês estava hospedado em Quetta na semana passada. Autoridades de segurança do Paquistão disseram à CNN que o embaixador da China não era o alvo, mas, mesmo assim, destacaram que a Al Qaeda está recuperando força.

Se o Taleban está tão próximo da Al Qaeda como o grupo afirma, e a ONU avalia, então a comunicação de 2 mil palavras do AQ com a CNN implica que, em vez de ser parceiro do cessar-fogo dos EUA, o Taleban está o mais próximo de apoiar a Al Qaeda na guerra contra os Estados Unidos como sempre ocorreu.

A Al Qaeda está deixando claro que o país que já foi sua base para planejar o ataque mais mortal de todos os tempos em solo americano está livre para ser usado novamente. "Os Estados Unidos não são um problema para nossos irmãos afegãos, mas devido aos sacrifícios na guerra afegã, os americanos estão agora derrotados. Sejam republicanos ou democratas, ambos tomaram a decisão final de se retirar da guerra afegã."

 

Se o Taleban cumprir suas promessas a Biden, tudo isso não passará de propaganda da Al Qaeda, mas se não cumprir, todas as apostas sobre a ameaça futura que ele representa estão canceladas.

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